Esse post é sobre um lugar simplesmente incrível, que todo brasileiro deveria conhecer! Os cânions do rio São Francisco, o nosso Velho Chico. Esse rio tão importante pro nosso país, tão cantado e celebrado na nossa arte e cultura.
Fiquei hospedada no centro histórico super charmoso de Piranhas, interior de Alagoas. A pousada O Canto é uma graça, bem decoradinha, café da manhã delicioso e muito bem localizada (150 reais a diária). Os quartos são simples, mas com ar condicionado, banho quente e limpinhos, pra que mais né?!
Pousada O Canto
Piranhas é considerada patrimônio histórico nacional pelo IPHAN, seu centro histórico é cheio de casarios antigos e coloridos, e sua principal renda vem do turismo. É uma cidade marcada pelo cangaço e pelo rio São Francisco. Um dos principais atrativos é o passeio pelos cânions do rio, os cânions de Xingó. A paisagem é tão bonita que pensamos ser obra da natureza, mas não é. Toda essa região dos cânions foi inundada com a construção da barragem da Usina Hidrelétrica de Xingó (inaugurada em 1994), que impactou profundamente a região. As antes corredeiras do rio deram lugar às águas calmas e facilmente navegáveis de hoje. O que foi ótimo para o turismo, mas não tão bom pra natureza e pescadores da região. Várias espécies de peixes desapareceram e o número de cardumes diminuiu bastante. Muitos pescadores trocaram, e continuam trocando, a atividade pesqueira pelo turismo pra garantir o sustento das suas famílias.

Fiquei lá 3 dias e foi tempo suficiente pra conhecer bem!
Dia 1: No primeiro dia de viagem, eu e Daniel fizemos um passeio de barco (de 10h às 17h), só nós dois e o barqueiro Adaílto, pelo rio São Francisco. Marcamos o passeio na agência Candeeiros Ecotur, com a Janaína (whatsaap: 82 8838-3509) por 400 reais. Foi o passeio mais caro da viagem, mas queríamos que fosse só nós dois no barco pra termos liberdade e foi a melhor coisa! Eu gosto de viajar sossegada, fazendo meu horário e o que tenho vontade. Mas existe a opção de fazer esse passeio em excursão e sair mais barato.
Nós fomos de carro até Olho D’Água do Casado, cidade vizinha a Piranhas (20 minutos de distância) e o barco saiu de lá.
A primeira parada foi na Gruta do Talhado, lugar imperdível! Ela tem esse nome porque suas paredes parecem terem sido talhadas à mão. Ao final da gruta, tem um santuário para São Francisco de Assis. Pra ir até a gruta, precisamos trocar o barco por uma canoa sem motor (10 reais por pessoa). Essa é uma parada obrigatória, todos devem ir! A gruta é linda!
De lá nós fomos pro Vale dos Mestres, um lugar bem tranquilo pra mergulhar. Ficamos curtindo ali um tempão… Bom demais!
Depois paramos na Toca do Sal, uma pedra que solta sal mesmo. Na pedra existem algumas pinturas rupestres, mas infelizmente pescadores que acampam ali picharam bem próximo aos desenhos, um crime!
Almoçamos num restaurante bem simples na beira do rio, não tem nem nome. Comemos um peixinho delicioso na beira do rio!
Por último, quando estávamos voltando, perguntei se podíamos parar ali no meio do nada. O visual estava tão lindo, não estava pronta pra ir embora ainda! Demos o último mergulho do dia e vimos o pôr do sol do barco, no caminho de volta. Foi um dia perfeito!
De noite, fomos andando da pousada pra tipo uma praça no centro histórico, com alguns restaurantes colados um no outro. Jantamos uma massa bem gostosa no restaurante Altemar Dutra. Depois do jantar, começou uma apresentação cultural que acontece ali todos os sábados. Muito legal!!! Um grupo de dança de cangaceiros fez a festa, animou todo mundo que estava ali assistindo. Uma energia muito boa! E depois da apresentação, todo mundo dançou o original forró pé de serra! Muito, muito bom!
Essa senhorinha de 84 anos foi a sensação da noite! Todos queriam dançar com ela!
Dia 2: Fomos de carro até o povoado Entremontes. Foram 40 minutos de Piranhas até lá, uma parte em estrada de terra. Pedimos informações pelo caminho, pois quase não há placas. Na estrada pra lá, cenas típicas do sertão: carroças, gado, um menino tocando a boiada, casinhas simples…
Entremontes é um lugar muito tranquilo, onde parece que o tempo parou. Cheio de casarios antigos e coloridos! O povoado é famoso por seus bordados, feitos pelas mulheres de lá. Foi o primeiro núcleo de povoamento da cidade de Piranhas em meados do século XVIII. A delegacia de lá está fechada há mais de 15 anos, não há criminalidade. No verão as pessoas dormem com as portas e janelas de casa abertas pra aliviar o calor, na maior tranquilidade. Parece impossível um lugar assim no Brasil né?! Mas existe! É tão bom saber disso!
As casinhas!
Bordadeiras!
Passeamos a pé pelo povoado num domingo. Na beira do rio rolava um churrasco e futebol, e pela cidade vimos algumas bordadeiras em ação, sentadas próximas às janelas de suas casas. Fomos na Igreja de Nossa Senhora da Conceição e na Casa dos Bordados onde comprei um caminho de mesa lindo, todo bordado, por 70 reais!
Igreja de Nossa Senhora da Conceição
Comprando uma linda toalha na Casa de Bordados de Entremontes!

De Entremontes nós pegamos um barco com o barqueiro Leandro até o Espaço Ecológico Angicos, em Canindé de São Francisco, Sergipe (15 minutos de barco). Não agendamos esse transporte, apenas perguntamos no povoado onde conseguíamos um barco até lá e foi bem tranquilo! Conseguimos um barco na mesma hora.
O Espaço Ecológico Angicos oferece uma trilha guiada até a Grota de Angico, local onde Lampião, Maria Bonita e mais 9 cangaceiros morreram num combate com a polícia (10 reais por pessoa a trilha). A trilha tem em torno de 680 metros pela caatinga e a guia fala bastante sobre a história do cangaço.
Grota de Angico
Um pouco da história: Lampião é o líder do cangaço mais famoso, mas não é o primeiro cangaceiro nem o último, e ficou 20 anos fugindo da polícia. Ele era cego de um olho (perfurou num cacto num embate com a volante, a polícia local), usava um óculos de ouro e era apaixonado por Maria Bonita. Ela era uma mulher separada mas ainda vivia com o ex marido porque uma separação total era inaceitável na época. Dizem que se apaixonaram à primeira vista. Ela voltou pra casa dos pais no interior da Bahia e Lampião visitava quando podia. Quando a volante passou a perseguir Maria Bonita por ser a namorada de Lampião, os pais dela se mudaram pro interior de Alagoas e ela se juntou ao cangaço. Com isso, mulheres passaram a ser admitidas no bando, numa tentativa também de reduzir o número de estupros (muitos!) que aconteciam toda vez que os cangaceiros invadiam alguma cidade ou povoado.
Lampião recebia dinheiro e armamentos de policiais corruptos, coronéis e políticos, que garantiam o voto de cabresto: Lampião deixava bem claro pra população que todos deveriam votar em Fulano de Tal, do contrário iriam se ver com os cangaceiros. Quando queria um banquete, mandava um mensageiro na casa da pessoa dizer “Faça um banquete para o meu bando no dia X” e todos obedeciam, com medo de retaliação. Lampião então dava uma boa quantia em dinheiro pra aquela família, que muitas vezes gastava a comida do mês inteiro naquele banquete. Então ao contrário do que muitos pensam, ele não era o Robin Hood do sertão. Mas era muito esperto! Usava o salto do sapato na planta do pé e não no calcanhar do jeito normal. Dessa forma, despistava a volante que ao seguir seus rastros ia sempre no sentido contrário.
Ele e Maria Bonita tiveram uma filha que ainda é viva e todo ano vai até a Grota de Angicos rezar uma missa pelos pais. Ela tinha quase 6 anos quando os pais morreram. Vivia com um casal de coiteiros (aqueles que acobertavam os cangaceiros), criada como filha deles a mando de Lampião. Isso era comum para os filhos de casais cangaceiros, serem criados como filhos de outras pessoas. Afinal, o cangaço não é lugar pra crianças!
Na Grota de Angicos, Lampião, Maria Bonita e mais 9 cangaceiros morreram. Todos tiveram suas cabeças arrancadas e expostas em diversas cidades do sertão. Os corpos nunca foram encontrados. Então esse lugar tem muita história e vale a visita!
Depois da trilha, ficamos curtindo o Espaço Ecológico Angicos. Lá tem redes normais e redes dentro do rio, uma casinha típica pra visitação e um restaurante. Almoçamos uma ótima carne de sol com macaxeira e de sobremesa o Doce de Cáctus (que é muito doce pro meu gosto, mas valeu provar por ser bem típico da região).
De lá, nós fomos pro mirante do restaurante Flor de Cáctus. Fomos de carro: pela estrada que vai de Olho D’Água do Casado ao centro histórico de Piranhas, já próximo ao centro histórico entrar à esquerda na placa que indica Restaurante Flor de Cactus e seguir pela estrada de terra. Dá pra ir a pé do centro, basta ter disposição pra encarar uma escadaria danada! A vista é linda!
Depois passeamos pelo centro histórico. Fomos no Centro de Arte e Cultura, que é a antiga casa de máquinas da rede ferroviária e hoje comercializa produtos do artesanato local. Bom lugar pra comprar aquela lembrancinha da viagem!
Casa da Cultura
Visitamos o Museu do Sertão, museu bem pequeno que fala sobre a cidade, o cangaço e mostra objetos da época (2 reais por pessoa a inteira). Fomos também na Torre do Relógio e tomamos um café lá em cima.
Museu do Sertão e Torre do Relógio
Por fim, visitamos a Igreja de Nossa Senhora da Saúde, edificada pouco antes de 1885.
Igreja de Nossa Senhora da Saúde
De noite, demos uma voltinha e paramos pra jantar no Altemar Dutra, dessa vez uma pizza! Teve música ao vivo de novo, uma delícia!

Dia 3: No terceiro dia fizemos uma trilha guiada pelo Mirante do Talhado de manhã, pra ver os cânions de cima (cerca de 2h de trilha). Simplesmente incrível!
Fomos de carro com o guia Zé Inácio (um ex caçador que hoje atua na conservação da natureza) até a propriedade de um senhorzinho muito especial, Seu Zé Francisco. Ele tem 78 anos, é guia também e deu um banho em todos nós na trilha. É um contador de histórias, apaixonado pelo sertão e ao me despedir dele eu disse “Seu Zé eu nunca vou me esquecer do senhor” e não vou mesmo. Uma figura inesquecível!
Fizemos a trilha em grupo pela caatinga e os guias iam explicando coisas sobre a fauna, flora e a vida no sertão. Quando olhamos aquela paisagem seca, não imaginamos a riqueza de fauna e flora desse bioma. Mas a caatinga é rica, habitada por preás, gambás, mocós, cutias, jaguatiricas, cobras, macacos prego, gaviões, várias aves e insetos! Só tive a sorte de ver vários pássaros lindos e insetos, mas quem sabe na próxima não vejo mais?! =)
Fomos em época de seca, tudo bem amarronzado, mas a terra é boa e quando chove a paisagem muda rapidamente pro verde! O problema é chover… Os sertanejos lidam com a falta de água constantemente e praticamente todos recebem bolsa família e dependem dela. É triste de ver o quanto essa falta de água é usada politicamente, pois lá impera o voto de cabresto. Funciona assim: o sertanejo pobre que depende da terra pra viver fica sem água, se desespera e vai pedir ajuda ao político da região. O político então diz “Meu amigo, deixa comigo que vou resolver o seu problema. Você me apoia há muitos anos e sei que não vai me abandonar. Volte pra casa tranquilo.” E ai, 1h depois, chega um caminhão pipa na casa do sertanejo com litros e litros de água. Por que ao invés de mandar o caminhão pipa pra casa dos sertanejos, o governo não constrói uma estrutura eficiente de irrigação? Ainda mais em regiões tão próximas ao rio São Francisco? Porque não é politicamente interessante, fato. Dinheiro tem, falta vontade. Em Petrolina, sertão de Pernambuco, algumas regiões tem sistema de irrigação. E o resultado? Produção de frutas e vinhos excelentes, geração de empregos, mais impostos pro governo… Só vantagens. Mas enfim… Voltando pra trilha!
Comendo palmito do pé, igual aos macacos =)
Depois de contemplar essa vista linda, descemos a trilha por uma escada de cordas entre as pedras.
Escada de cordas e seu Zé Francisco
Lá embaixo, chegamos na parte final da Gruta do Talhado, na areia. Seu Zé colocou o grupo todo de costas e mãos dadas, fez um discurso bonito e todos nós fizemos um agradecimento à Mãe Terra. Depois do agradecimento, quando estávamos ainda distraídos, ele nos disse pra virar e nos deparamos com a Jurema (esposa dele) e uma menininha linda, Vitória, vestidas de índias e cantando. Foi lindo!
O resto do grupo seguiu dali pro passeio de barco na Gruta do Talhado e Vale dos Mestres, e eu e Daniel ficamos (já tínhamos feito esses passeios). Antes de voltar pela trilha, Seu Zé abriu uma exceção e nos deixou mergulhar na gruta, quando não haviam barcos passando. Normalmente só é permitido passear de barco na gruta pra não gerar confusão, mas como não havia ninguém, mergulhamos rapidinho. Sortudos!
Depois fomos almoçar no restaurante Show da Natureza. Comemos iscas de peixe e filé com fritas. Tiramos um cochilo depois do almoço, na beira do rio. Delícia!
Marcamos de nos encontrar com o grupo novamente 16h nesse restaurante pra fazermos a trilha pro sítio arqueológico e pôr do sol. Deu 16:30 e ninguém tinha aparecido ainda, o celular não pegava sinal, lá não tinha wifi, então estávamos incomunicáveis. Fui falar com o dono do restaurante (esqueci o nome dele) pra usar o telefone de lá. Não consegui falar com ninguém e ele ofereceu de nos levar até a trilha do pôr do sol se em 30 minutos ninguém aparecesse. Muito gentil! Ninguém apareceu então 17h fomos de carro até um ponto da trilha e a pé o restante. Chegamos lá e encontramos nosso grupo! Demos uma reclamada com o guia Zé Inácio que simplesmente nos esqueceu! Hahaha… Foi dose, mas o que importa é que vimos o pôr do sol dos cânions! Lindo, lindo, lindo! E ao som de uma sanfona! Perfeito!
A Janaína, dona da agência de turismo, ficou super chateada com a situação e nos presenteou com o livro “Bonita Maria do Capitão”. Tudo certo no fim das contas! Pagamos 80 reais por pessoa nas duas trilhas: do Mirante do Talhado de manhã e do pôr do sol no fim de tarde.
De noite, fomos pra mesma praça de sempre jantar, ver o movimento e nos despedir de Piranhas.
Viagem maravilhosa! Quanto mais conheço o Nordeste, mais me apaixono!
Algumas dicas:
1- Nunca mergulhe no Rio São Francisco sem orientação de um guia. Esse rio é muito traiçoeiro e afogamentos (muitos seguidos de morte) são comuns, infelizmente. É preciso ter muito cuidado.
2- Nós fizemos Recife-> Piranhas de carro em 6h, uma viagem longa. De carro de Maceió são 4h e de Aracaju são 3h30.
Espero que tenham gostado das dicas!
Beijoca,
Pri